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domingo, 27 de fevereiro de 2011

A Crise Atual em uma Perspectiva Histórica: 1929 e 2008


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A Crise Atual em uma Perspectiva Histórica: 1929 e 2008

Frederico Mazzucchelli

A profundidade da crise que assola parte significativa do sistema financeiro mundial terá, certamente, impacto sobre a evolução dos agregados econômicos reais (produção, investimento, emprego etc.). Já se torna evidente que a economia mundial ingressou em uma fase de desaceleração ou recessão, cujo desfecho é ainda desconhecido. É inevitável, neste contexto, que surjam comparações entre o momento atual e a experiência dramática da Grande Depressão, que subverteu o mundo, sobretudo entre 1929 e 1933.

Seguramente, o peso da riqueza financeira em relação ao produto, a sofisticação (e opacidade) das operações financeiras e a interligação entre os vários segmentos dos mercados em escala global, são hoje infinitamente maiores do que no final dos anos 1920s. A dimensão recente alcançada pela riqueza financeira (quase quatro vezes superior ao PIB mundial) e a escala real ou nocional das perdas incorridas sugerem que estamos diante de um processo monumental de desvalorização de ativos, muitas vezes superior ao que se assistiu há quase 80 anos. A conclusão que daí poderia advir é que o curso dos acontecimentos será, em conseqüência, mais dramático e doloroso do que em 1929-1933.

Felizmente, tal conclusão não se sustenta. É necessário assinalar, em primeiro lugar, que face à eclosão da crise, a intervenção dos governos foi imediata. O credo liberal e a panacéia dos mercados “eficientes” ou “auto-regulados” foram sumariamente abandonados e o Estado assumiu, com maior (Inglaterra) ou menor (EUA) grau de acerto, a responsabilidade pela defesa das instituições financeiras, pela provisão da liquidez, pela garantia integral dos depósitos, e pela tentativa de evitar a todo custo o aprofundamento da contração do crédito. Sem a pronta e contínua injeção dos recursos públicos o colapso teria sido total. A ação dos governos, tipicamente keynesiana, tem sido a de buscar a restauração do circuito do crédito-gasto-renda, nem que para tanto seja necessário estatizar (ainda que parcial e temporariamente) parcela significativa do sistema financeiro.

Uma intervenção vigorosa, como a que assistimos no presente momento, seria impensável em 1929. Não se deve esquecer que o conventional wisdom nos anos 1920s era determinado pelas regras do padrão-ouro. Em particular, as ações expansionistas (sobretudo fiscais) eram vistas com suspeição por alimentar a inflação e precipitar, dessa forma, a desvalorização cambial. Câmbio fixo e orçamentos equilibrados conformavam uma unidade indissociável. A defesa do câmbio era o objetivo supremo, que condicionava a política monetária e, na prática, anulava a política fiscal. Os EUA retornaram ao padrão-ouro em 1919, a Alemanha em 1923, a Inglaterra em 1925 e a França, de fato, em 1926. Quando da eclosão da turbulência de 1929, Hoover em nenhum momento cogitou abandonar o padrão-ouro. Brüning (que comandou o gabinete alemão a partir de março de 1930) procurou combater a recessão com a deflação. A França, desde o Franc Poincaré, cultivou sua devoção ao ouro até setembro de 1936 e, da mesma forma, insistiu na tentativa de impor a deflação como remédio para a depressão. Mesmo após a desvalorização da libra em setembro de 1931, a Inglaterra, apesar de praticar uma política de cheap money, permaneceu circunscrita a uma política fiscal conservadora. Nem mesmo Roosevelt conseguiu se desvencilhar do dogma dos orçamentos equilibrados: em 1937, sua tentativa de “sanear” as finanças públicas redundou na “recessão na depressão” de 1938. Unicamente Hitler, desde 1933, praticou uma política deliberada de expansão dos gastos públicos. O outrora austero Hjalmar Schacht, que entre 1923 e 1930 foi o zeloso guardião da moeda alemã, garantiu sua recondução ao posto em 1933 apenas mediante o compromisso explícito, assumido com o Führer, de envolver diretamente o Reischbank no financiamento dos gastos do governo.

A verdade, assim, é que com a exceção do experimento nazista, corações e mentes – à direita e à esquerda – professavam naquele então sua crença mítica nas virtudes das sound finances. Seria impensável, em 1930 ou 1931, que um economista escrevesse, poucos dias após ser laureado com o Prêmio Nobel, que face à extensão da crise “não é hora de pensar no déficit” (Paul Krugman). Ao contrário da experiência traumática da Grande Depressão, a disposição à intervenção estatal é hoje, portanto, um elemento determinante que diferencia nitidamente as iniciativas da política econômica. Este é um fator decisivo que projeta um futuro menos sombrio para a evolução da crise atual.

Existe, de outra parte, uma clara semelhança em relação à origem dos distúrbios que resultaram na Grande Depressão e os que estão por detrás da presente convulsão. Em ambos os casos a débâcle foi precedida pela fragilidade da regulação e pelo relaxamento na percepção dos riscos, o que redundou em uma febre especulativa de conseqüências desastrosas. A inevitável proliferação de operações financeiras de lastro duvidoso, alavancadas pela expansão desmesurada do crédito, é um traço comum dos dois momentos históricos. Em finais dos 1920s e início dos 1930s, era ainda limitado o grau de regulação e controle exercido pela Autoridade Monetária sobre o conjunto do sistema financeiro. No caso dos EUA – o epicentro do terremoto de 1929-1933 – era destacada a proliferação de bancos de pequeno e médio porte, muitos deles fora da área de supervisão do Fed. Ao mesmo tempo, a inexistência de um “muro de contenção” entre os bancos comerciais e os bancos de investimento permitiu que os primeiros se envolvessem em operações de alto risco, comprometendo de modo temerário os recursos dos depositantes.

As respostas iniciais à crise de 1929 (ao contrário das intervenções atuais) foram completamente insuficientes e desastradas: as ações de lender of last resort, do mesmo modo que as iniciativas no plano fiscal, eram incompatíveis com os mandamentos sagrados do padrão-ouro. O resultado foi a propagação das quebras, a contração da produção e a explosão do desemprego. Entre 1930 e 1933 os EUA assistiram a três ondas de liquidação bancária que vitimaram nada menos que 11.000 bancos. Na Alemanha, a quebra do gigante Danat em julho de 1931, face à impotência da intervenção do Reischbank, foi um ponto de inflexão decisivo no aprofundamento do desespero econômico que terminou por conduzir os nazistas ao poder.

Tanto nos EUA como na Alemanha a superação dos desdobramentos mais profundos da crise passou pela imposição de critérios de regulação mais rígidos sobre o sistema financeiro. Se Roosevelt, empossado em março de 1933, alcançou um sucesso inegável em quebrar a espiral contracionista foi porque, desde o início, promoveu o saneamento do setor bancário, e estabeleceu, na seqüência, as bases da regulamentação do sistema financeiro através de um conjunto de dispositivos legais criados entre 1933 e 1935. Hitler e Schacht, de sua parte, converteram o sistema financeiro alemão em um braço operacional do Reischbank. Nos dois casos, a disciplina sobre as finanças privadas foi essencial para que as economias se levantassem dos escombros da depressão.

Da mesma forma, a superação da atual crise deverá contemplar a implantação de um novo marco de regulação para o sistema financeiro. Como se sabe, foi nos anos 1970s e 1980s que o aparato regulatório da Golden Age (a chamada “repressão financeira”) foi desmontado, em nome da imaginada eficiência das “finanças comandadas pelo mercado”. Hoje, face ao descalabro e descontrole das operações financeiras que redundaram na atual crise, não há mais quem negue a necessidade imperiosa de reintroduzir padrões mais rígidos e rigorosos que disciplinem o funcionamento do sistema financeiro em âmbito nacional e internacional. Em particular, a regulamentação sobre o shadow financial system (bancos de investimento, fundos de investimento, hedge funds, seguradoras), e a redefinição de suas relações com os bancos comerciais, é essencial para assegurar uma estabilidade mínima às economias capitalistas. A consciência de que é fundamental retomar a regulação sobre o mundo das finanças privadas é, assim, paralelamente, à pronta decisão de utilizar os recursos públicos para mitigar a propagação da crise, um fator essencial. É claro que a imposição de um novo marco regulatório para as finanças privadas não se dará em um piscar de olhos. Mas a percepção de sua urgência, ao mesmo tempo em que o Estado atua diretamente e sem ressalvas sobre a solvência do sistema financeiro, permite antever – passada a atual tormenta – um funcionamento menos turbulento e tempestuoso para o mundo das finanças.

É necessário, ademais, atentar para um dado importante. No início dos anos 1930s a coordenação internacional tornara-se uma quimera. Era absolutamente impossível compatibilizar as ações do New Deal com as propostas nazistas, e ambas com o grupo do ouro liderado pela França ou com a área da libra comandada Inglaterra. Nos anos 1930s a ordem internacional se estilhaçou e se formaram blocos de nações, com os países se envolvendo em ações essencialmente defensivas, o que redundou na escalada do protecionismo, nas desvalorizações competitivas e na busca de soluções autárquicas. A ausência de coordenação supranacional foi uma característica marcante dos anos 1930s. Ela ensejou a tentativa de saídas particularistas para a crise, acirrou a rivalidades nacionais e deu livre curso às alternativas autoritárias. Felizmente, não é este o quadro que hoje se apresenta. Mesmo diante das naturais dificuldades em se alcançar soluções consensuais, existe um interesse comum entre os EUA, a Europa, o Japão e a China em evitar a propagação da crise. Hoje, a ação coordenada (manifestada, por exemplo, na recente redução conjunta da taxa de juros) tende a ser mais plausível – e factível – que as soluções particulares e isoladas (beggar thy neighbor) típicas dos anos 1930s.

Existe, por fim, uma diferença significativa entre as atuais atribulações econômicas e o contexto da Grande Depressão, que não pode ser desprezada. No início dos anos 1930s, a proporção da população economicamente ativa empregada nas atividades agrícolas e extrativas era próxima a um quarto nos EUA, e a um terço na Alemanha. Com a depressão, dada a maior sensibilidade dos preços agrícolas às variações da demanda, a renda real da população empregada no campo despencou. No caso dos EUA, a contração da renda real dos agricultores, entre 1929 e 1932, foi superior a 50%, o que arrastou uma infinidade de bancos do Sul e do Meio Oeste à falência. Somente através de uma ação tempestiva de defesa e sustentação dos preços agrícolas é que a profundidade e a duração da depressão poderiam ser mitigadas. De fato, parcela relevante dos recursos públicos administrados pelo New Deal e pelos nazistas foi direcionada exatamente para a reversão do quadro devastador que se abateu sobre a agricultura. Hoje, esta questão sequer é colocada: nem a proporção da população empregada no campo é relevante, e nem a participação da agricultura na criação da renda tem uma expressão econômica digna de maiores preocupações. É provável, entretanto, que o mercado imobiliário de hoje seja a agricultura de ontem: a dimensão da crise do subprime todavia não é mensurável. É o próprio secretário do Tesouro norte-americano quem afirma: “o problema real é que os bancos de todo o mundo fizeram empréstimos arriscados. (…) A coisa mais espantosa é a dimensão do problema”. A cadeia de empréstimos “sujos” associados à especulação com imóveis ainda não foi desmontada, e é possível que o socorro da intervenção pública se torne aí tão intenso e prolongado quanto o foi para retirar a agricultura da vala da depressão nos anos 1930s.

As considerações anteriores indicam que não é previsível para a crise atual um desdobramento semelhante ao da Grande Depressão. Nada autoriza, contudo, uma perspectiva candidamente otimista. A extensão dos estragos é ainda desconhecida e o impacto sobre o setor produtivo seguramente será profundo. Apenas a decidida intervenção do Estado tem evitado um descalabro de maiores proporções. A necessidade de retomar a regulamentação sobre o sistema financeiro é reconhecida, mas sua implementação certamente será precedida por desacordos substanciais e demandará tempo para ser efetivada. Da mesma forma, apesar de o ambiente internacional favorecer a busca de soluções cooperadas, não se deve imaginar que elas sejam simples e isentas de contradições, em particular no que diz respeito ao papel dos EUA e do dólar no contexto mundial.

A crise atual representa, na verdade, uma derrota fragorosa do liberalismo irrefletido que contaminou os espíritos nos últimos 30 anos. A fé cega na capacidade de regulação dos mercados é um dogma que acompanha o capitalismo desde o seu nascimento. Desde a Fábula das Abelhas de Mandeville (“vícios privados, virtudes públicas”), até os modelos de expectativas racionais de última geração, o suposto é sempre o mesmo: os mercados possuem uma racionalidade imanente que garante o funcionamento ótimo da economia. O ambiente dos anos 1920s, sobretudo nos EUA, estava carregado desta convicção. Esta mesma convicção inundou a política, a academia e o mundo dos negócios a partir da guinada conservadora de Tatcher e Reagan. Os roaring twenties nos EUA culminaram com a Grande Depressão, e a euforia das finanças desregulamentadas culminou no desastre atual. A grande lição que resta destes dois episódios dramáticos é que, definitivamente, o capitalismo não pode ser deixado à mercê dos capitalistas…

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